quarta-feira, 15 de maio de 2024

DESAFIOS PARA A MINISTRA DA SAÚDE E SNS

DESAFIOS PARA A MINISTRA DA SAÚDE E SNS

Nas diferentes épocas sazonais, como é o caso do Verão, o Ministério da Saúde está sempre sob “prova de fogo” e avaliação da capacidade de resposta, através dos seus Profissionais, na satisfação das solicitações, emergentes, urgentes ou “crónicas”, oriundas de uma população que duplica ou triplica, em algumas zonas do país, decorrente do período de férias.


A situação política alterou-se. Constituiu-se um novo Governo e uma nova Ministra da Saúde, e com isso uma nova visão, opção e orientação política sobre os problemas existentes e as decisões a tomar, que com certeza também serão outras. Colocam-se assim muitos desafios. Por outro lado, as Classes Profissionais, nomeadamente os Enfermeiros, reclamam e aguardam soluções à sua situação laboral e de carreira, algumas sem resposta, há mais de 10 anos e que não podem ser mais adiadas.



O pedido de demissão da Direcção Executiva, a nomeação de uma “task force” e o pensamento metodológico, orientador e decisão política a tomar, por um lado o “Plano de Verão”, a seguir o “Plano de Inverno” e por outro a “restruturação do SNS” que alargou a todo o país as Unidades Locais de Saúde, paralelamente com as negociações com as Classes Profissionais do sector, deixam até ao Verão uma agenda muito preenchida e de decisões rápidas que é preciso tomar. A serenidade, o poder de decisão e a implementação de medidas, exigem algum tempo, mas que para alguns dos graves problemas, não se podem tornar adiáveis, nomeadamente nas questões dos Recursos Humanos. Quere-se e necessita-se de orientação, decisão e acção política!


Escrevemos já o ano passado:

  • As urgências continuam sob uma pressão permanente, porque não se implementaram estímulos, condições e reformas nos Cuidados de Saúde Primários (CSP), para que tal deixasse de acontecer e houvesse alternativa aos SU. As longas horas de espera nos SU vão acontecer/manter-se e continuar;
  • O que se está a viver, é a consequência da má gestão, das cativações orçamentais absurdas e da não contratualização, de forma estável, e por falta de carreiras justas, cativantes e bem remuneradas, para todos os Profissionais de Saúde, que assim vão para o privado e emigram. Estas medidas castradoras têm impacto negativo nos serviços ao longo dos anos e dificultam as respostas às necessidades que os Cidadãos colocam ao SNS;
De uma coisa estamos certos: Os problemas não se resolvem com o “verter” mais dinheiro sobre o SNS. Entendemos que há necessidade de repensar o SNS com todas as potencialidades, recursos e capacidade instalada, envolver os Enfermeiros e Médicos de Saúde Pública, para um verdadeiro diagnóstico de situação e planeamento, para uma intervenção tendo como base o “Planeamento em Saúde”. É preciso avaliar a existência e alocação de recursos, rentabilização de instalações, consultórios e blocos cirúrgicos (centrais ou de ambulatório), revisitação de horários praticados para uma utilização adequada, aferição da existência de camas hospitalares com cumprimento das dotações seguras, internamentos de retaguarda e de parceria com IPSS e Sector Social. A execução de intervenções e consultas possíveis e ao alcance dos Enfermeiros Especialistas, como exemplo o seguimento de grávidas de baixo risco, consultas e seguimento de doentes ostomizados, entre outros.

As cativações, o desinvestimento e o não acautelar o futuro, mas também o presente, trouxe até nós, degradação de instalações, tecnologia obsoleta, degradação da relação laboral, falta de entusiasmo e motivação, baixos salários, carreiras desajustadas, o burnout a “tomar conta” dos Profissionais, “horas a fio” de trabalho, sem descanso e sem dotações seguras para (as)segurar o funcionamento dos serviços, mas onde o erro espreita, o “acidente faz-se parceiro” e a carga fiscal leva desumanamente o que tanto custou a ganhar em “noites de vela”, fins-de-semana e feriados, longe do repouso e da Família. Os Enfermeiros são as maiores vítimas destas “agressões”. Os rácios publicados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) provam este desgaste e este desnivelamento: a média da OCDE situa-se em 8,8 Enfermeiros/mil habitantes, enquanto em Portugal é de 7,1/mil habitantes. É abissal esta diferença, para um País que exporta Enfermeiros altamente formados e qualificados, mas tem falta de 14 mil nos seus serviços! É preciso reverter este estado de coisas.

Aparentemente, com a criação da Direcção Executiva do SNS, que esperou cerca de 11 meses pelos seus estatutos aprovados, leva-nos a pensar que se duplicaram funções, estimulou-se a disputa de poderes, transportou-se para o olhar mais distraído as incompetências, as fragilidades e as desvalorizações decorrentes das más decisões políticas, que ciclicamente os Ministros da Saúde tomaram.

A gestão da Saúde e dos Cuidados de Saúde não pode estar circunscrita apenas a uma ou duas Classes Profissionais, quando muitos destes decisores nunca estudaram “gestão em Saúde”. Têm/devem outras Classes Profissionais ser chamadas a este patamar de pensamento, planeamento e decisão. Os Enfermeiros estão capacitados para o fazer, não desperdicem este valioso recurso. Temos hoje uma Ministra da Saúde “desempoeirada” das ideias, capaz de avaliar e decidir, por isso esperamos que seja capaz de romper tabus, interesses, corporativismos e acomodações.

Olhar para o SNS, planear o futuro, assente essencialmente na visão “hospitalocêntrica”, tornando os CSP e a “intervenção da Saúde Comunitária” como satélites e “parentes pobres” desse presente/futuro, é hipotecar, claramente, o SNS, no presente e no futuro. Nunca se poderá esquecer a base e a “porta de entrada” neste serviço. Não se poderá ignorar o que hoje representa a intervenção comunitária, promovida pelas Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC), na dimensão preventiva, curativa, de reinserção e paliativa. Vivemos um mundo de “novas doenças”, novas exigências, daí a necessidade de valorização e rentabilização da capacidade instalada e da qualidade e competência, entre outros, dos Enfermeiros Portugueses, face a uma esperança média de vida à nascença nos 80,96 anos (H-78,05 e M-83,52), ao rendimento das Famílias e do País e o potencial da Saúde Familiar.

Parece-nos oportuno pensar, com responsabilidade e serenidade, o que os CSP representam/podem representar em poupança num valor per-capita, nas contas do Orçamento de Estado. Como António Guterres dizia:”É fazer a conta”. Nós acrescentamos: É preciso saber fazer as contas e decidir!

Humberto Domingues
Enf. Espec. Saúde Comunitária
Pós-graduação Gestão Serviços Saúde
2024.05.15

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