terça-feira, 25 de novembro de 2025

A DEMOCRACIA IMPLACÁVEL PARA COM OS QUE SE JULGAM INSUBSTITUÍVEIS

A DEMOCRACIA IMPLACÁVEL PARA COM OS QUE SE JULGAM INSUBSTITUÍVEIS

Fonte: Wikipédia - Democracia em Atenas

Acabou de se comemorar o 25 de Novembro. Aconteceram há poucas semanas, as “Eleições Autárquicas 2025”. Talvez o patamar político, onde a alternância democrática se verifica e mais se sente. Onde castelos se julgavam “indesmontáveis”, caiem e levam consigo vaidades intermináveis, humildades aproveitadoras e ocos estatutos. E talvez por isso, a Democracia na sua “ferocidade”, na sua “clarividência e crueldade serena” e numa justiça fria, impõe-se pela expressão do voto. Quem nela ascende julgando-se insubstituível comete o erro mais elementar de confundir o poder que exerce com a fonte que o concede. A Democracia não pertence a ninguém, e todos pertencem a ela apenas enquanto servem.


Os que se julgam eternos no trono (políticos, líderes, tecnocratas, até salvadores), esquecem que a Democracia vive do desgaste, da alternância, do contraste de ideias e projectos. Ela é uma máquina que se alimenta da substituição. Substituir é o seu instinto natural, o seu modo de garantir que nenhum Homem, por mais brilhante ou popular que seja, possa transformar-se em dono do destino coletivo. Ela não perdoa os que se apoderam e se julgam donos dela.

O erro dos autointitulados indispensáveis é confundir influência com necessidade. Julgam que o país, a região, o concelho, o partido, ou a história desabarão sem a sua presença. Apresentam-se como salvadores, tratam a sua vitória como um baptismo divino e acreditam que o país ou qualquer concelho ou região, gira ao redor da sua vontade. Esquecem, porém, que a Democracia é um sistema que não tolera idolatrias. Esquece depressa os nomes, mas nunca o princípio de que, ninguém está acima da regra, ninguém é maior do que o voto, ninguém é insubstituível.

E quando um desses “insubstituíveis” tenta desafiar a lei da alternância, seja agarrando-se ao cargo, manipulando o discurso ou cultivando a idolatria das massas, a Democracia decide corrigir, fá-lo com frieza e precisão cirúrgica. Expulsa os vaidosos, varre os prepotentes, e arquiva os nomes que outrora julgavam-se eternos. Reage como um organismo que rejeita o corpo estranho. Expulsa-o com o mesmo rigor com que um sistema imunológico elimina o vírus que ameaça o equilíbrio. É uma purga lenta, às vezes dolorosa, mas inevitável. Ela não ama, não venera, não chora. O povo pode aplaudir, mas o “sistema observa”. E no instante em que o “Servidor” se confunde com o “Senhor”, a Democracia faz o que tem de ser feito, destrona-o, esquece-o e segue adiante. Porque mais importante do que qualquer rosto é a permanência do princípio, esse pacto silencioso de que ninguém é dono do amanhã. E quem confunde mandato com posse, quem se acha indispensável à história, cedo ou tarde é corrigido pela força silenciosa do voto e pela frieza da memória coletiva.

Ela vive da renovação, do conflito e da substituição. O político que nela permanece demasiado tempo começa a apodrecer dentro dela. A Democracia é feita para que ninguém se eternize. Não é por virtude, é por sobrevivência. Porque todo o poder prolongado demais deforma-se, e todo o líder que se julga essencial transforma-se, inevitavelmente, em ameaça.

O voto que elege é o mesmo que destrona. A popularidade que embriaga é a mesma que, no dia seguinte, vira indiferença. O povo, quando farto, não hesita, troca, varre, esquece. E é nesse esquecimento que reside a força da Democracia. Ela não precisa odiar para punir. Basta seguir o seu curso natural, o da substituição. E é muito comum, entre os que se julgam insubstituíveis, confundirem autoridade com propriedade. Um líder cai, outro surge, e a vida continua porque o essencial não é quem manda, mas o facto de que pode ser trocado.

Muitos destes “insubstituíveis” acreditam que a máquina do Estado lhes deve lealdade, que o partido lhes pertence, que o povo lhes deve gratidão. Mas a Democracia não deve gratidão a ninguém. Ela é/será o regime da ingratidão institucionalizada e é isso que a torna invencível. Quando chega a hora, não há título, carisma ou legado que salve.

É um sistema impiedoso, sim mas é essa impiedade, que garante a liberdade. Por isso, aos que hoje se olham ao espelho e se veem como indispensáveis, convém lembrar que ninguém é maior do que o voto, ninguém é dono da vontade popular. A Democracia pode ser lenta, mas nunca é cega e, no fim, ela cobra a conta de todos.

Como é implacável a Democracia. Pode tolerar o ego por um tempo, mas nunca o substituirá pela servidão. Quem nela entra pensando ser eterno, nela morre politicamente e sem epitáfio.

Humberto Domingues
Mestre em Sociologia da Saúde
2025.11.25

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

INOVAÇÃO NO CUIDAR EM TEMPOS DIGITAIS

INOVAÇÃO NO CUIDAR EM TEMPOS DIGITAIS

O sector da Saúde vive uma das transformações mais aceleradas das últimas décadas. A convergência entre empreendedorismo e tecnologia tem gerado um ecossistema vibrante, onde startups, centros de investigação, universidades e instituições de saúde colaboram para criar soluções que prometem revolucionar a forma como se cuida, previne e gere a saúde. Contudo, esta revolução tecnológica só será verdadeiramente transformadora se mantiver no centro a pessoa e não apenas, o dispositivo ou o dado.


Vivemos então, uma era em que a tecnologia deixou de ser um instrumento de apoio para se tornar uma presença estruturante nas nossas vidas. A digitalização alcançou praticamente todos os setores, e o cuidar, entendido aqui como o acto de assistir, apoiar, tratar e acompanhar o Utente, numa dimensão, para além do que as palavras significam, não ficou imune a essa transformação. A “inovação no cuidar em tempos digitais”, impõe-se como uma necessidade e, ao mesmo tempo, como uma oportunidade para repensar o que significa ser humano num mundo cada vez mais mediado por algoritmos e ecrãs.


Nas últimas décadas, a relação entre o profissional do cuidar/Profissional de Saúde e o sujeito cuidado/Utente, evoluiu de forma profunda. A introdução de tecnologias de monitorização remota, registos eletrónicos de saúde, inteligência artificial aplicada ao diagnóstico e até robôs de assistência, tem alterado os modos tradicionais de prestação de cuidados. O que antes dependia exclusivamente do toque, da escuta e da presença física, passa agora a ser mediado por dispositivos que prometem precisão, rapidez e eficiência. No entanto, essa transformação traz também desafios éticos e humanos que não podem ser ignorados. Mas também não substitui a importante componente humana do tratar, do cuidar e do escutar.

A inovação digital oferece inegáveis benefícios. Permite, por exemplo, que pessoas em zonas rurais ou com mobilidade reduzida acedam a consultas médicas on-line, que a monitorização de sinais vitais ocorra em tempo real, e que a análise de dados antecipe complicações de saúde antes que estas se tornem críticas. Além disso, os sistemas digitais de gestão de informação melhoram a continuidade dos cuidados, reduzem erros e libertam tempo aos profissionais para se concentrarem no essencial: a relação com o Utente. A tecnologia, quando bem integrada, pode ser uma aliada poderosa no ato de cuidar.

Contudo, esta inovação não é neutra. A crescente dependência das ferramentas digitais levanta questões sobre privacidade, equidade e desumanização. Num contexto em que o toque é substituído por sensores e a escuta por algoritmos, corre-se o risco de o cuidado se tornar uma mera transação técnica. A empatia, a intuição e a dimensão emocional do cuidar são elementos que nenhuma máquina pode replicar plenamente. O desafio, portanto, não está em rejeitar a tecnologia, mas em garantir que ela complemente e não substitua a dimensão humana, nunca!

É preciso, também, reconhecer que a literacia digital é hoje um determinante social da saúde. Quem não domina as ferramentas digitais corre o risco de ficar excluído dos novos modelos de cuidado. A inovação deve ser inclusiva, desenhada com e para as pessoas, respeitando as diferenças culturais, geracionais e cognitivas. Inovar no cuidar é, antes de tudo, inovar na forma como se cria proximidade, mesmo à distância, com o nosso Utente.

Mais do que uma revolução tecnológica, o que vivemos é uma revolução relacional. A tecnologia desafia-nos a redefinir o papel do profissional neste “novo cuidar”: de executor de procedimentos para mediador entre o humano e o digital. Isso requer novas competências, não apenas técnicas, mas também éticas e comunicacionais. O profissional inovador é aquele que sabe equilibrar a eficiência das máquinas com a sensibilidade humana, que entende que cuidar é, no fundo, um acto de presença, mesmo quando essa presença se dá através de um ecrã.

A inovação no cuidar em tempos digitais não se mede apenas pela sofisticação das ferramentas, mas pela capacidade de manter viva a essência do cuidado: o reconhecimento do outro na sua vulnerabilidade e dignidade. Que a tecnologia seja ponte, e nunca muro, entre quem cuida e quem é cuidado. E que não impeça, sempre para benefício do Utente, que através de diferentes plataformas possibilitem acesso à informação clínica, em tempo útil.

Sabemos que a saúde é um setor particularmente sensível à inovação. Mas aqui, o erro tem consequências humanas diretas, e por isso, a ética deve ser o fio condutor de qualquer projeto empreendedor. O ponto comum é a busca e procura de soluções mais eficientes, personalizadas e sustentáveis, capazes de responder aos desafios crescentes de um sistema de saúde pressionado por envelhecimento populacional, escassez de profissionais e aumento dos custos.

Inovar em saúde não é apenas criar novos produtos, mas redesenhar sistemas que promovam dignidade, acesso e sustentabilidade, onde o compromisso ético e deontológico, não falte, em qualquer momento do “percurso”.

Humberto Domingues
Enf. Espec. Saúde Comunitária
2025.11.06

sábado, 1 de novembro de 2025

O SILÊNCIO DO LÍDER APÓS O SUCESSO

O SILÊNCIO DO LÍDER APÓS O SUCESSO:
A IMPORTÂNCIA DO REFORÇO POSITIVO NA CONSOLIDAÇÃO 
DA CULTURA DA EQUIPA

Fonte: Gestão de Projectos na Prática

Perturba-me, cria-me descontentamento e tristeza, desenvolve-me ansiedade e nervosismo, cria-me desgaste, quando “escuto o silêncio” insensível do líder, numa fuga de pobreza estratégica, e de demonstração de incapacidade, de se dirigir aos seus Colaboradores, num momento de almoço, após um feito de sucesso, que acabou de acontecer.

Dizem os “expert” e está escrito nos livros, que num contexto corporativo ou institucional, a liderança eficaz ultrapassa a mera coordenação de tarefas ou a execução de estratégias. O verdadeiro exercício da liderança revela-se na capacidade de mobilizar pessoas, reconhecer contributos e consolidar o sentido de pertença. Quando, após um momento de sucesso coletivo — como o término de uma conferência bem-sucedida —, o líder/organizador se abstém de expressar reconhecimento, instala-se um silêncio que comunica mais do que a ausência de palavras: transmite desvalorização, distância e falta de atenção emocional.

Segundo Daniel Goleman (1998), a inteligência emocional constitui um dos pilares fundamentais da liderança eficaz. A capacidade de reconhecer o esforço dos outros, de exprimir empatia e de gerar entusiasmo, são competências que distinguem o líder transformador do gestor meramente técnico. O reforço positivo, neste contexto, representa um acto de inteligência emocional aplicada — o reconhecimento da dimensão humana que sustenta o desempenho colectivo.

Durante o almoço entre colaboradores e colegas, que se segue ao evento realizado com sucesso, alguns elementos da equipa esperariam um gesto simbólico de apreço, uma palavra de gratidão ou uma breve reflexão do líder sobre o significado do trabalho realizado (admito que a maior parte dos elementos da Equipa, apenas estava no prazer de uma conversa de futilidades e no degustar de um saboroso almoço). Mas para nós, esta Equipa que estava reunida, a almoçar, não era um Grupo que se juntou, para acidentalmente almoçar, dizer umas larachas, pagar e ir embora. Não! Não era este Grupo, era/é muito mais que isso!

A ausência desse gesto (palavra de gratidão ou uma breve reflexão não para apontar falhas ou desencontros) não é neutra, pelo contrário, mina silenciosamente o capital motivacional do grupo. Peter Drucker (1999) lembrava que “a cultura come a estratégia ao pequeno-almoço”, e, sem reconhecimento, a cultura organizacional tende a resvalar para a apatia e o conformismo, mesmo quando a estratégia é sólida.

A literatura sobre liderança transformadora, designadamente os contributos de James Kouzes e Barry Posner (2007), reforça esta perspectiva ao destacar o papel do reconhecimento como um dos cinco pilares fundamentais da prática de liderança exemplar. Para estes autores, “encorajar o coração” — isto é, reconhecer as contribuições individuais e celebrar os valores e as vitórias partilhadas — é essencial para sustentar o empenho e a confiança mútuos no seio das equipas.

Assim, o silêncio do líder após o sucesso, não é uma mera omissão: é uma falha simultaneamente estratégica e emocional. Frederick Herzberg (1959), ao distinguir entre factores de estratégia e factores motivacionais, já sublinhava que o reconhecimento constitui um dos principais elementos que alimentam a motivação intrínseca. A ausência desse reconhecimento reduz o entusiasmo e fragiliza a ligação psicológica ao trabalho e à organização.

Por fim e em última análise, o reforço positivo não é um ornamento, mas uma ferramenta essencial de gestão e de cultura. A liderança que reconhece o mérito constrói confiança, promove coesão e assegura continuidade. A liderança que se silencia após o êxito desperdiça uma oportunidade de fortalecer o capital humano e simbólico da Equipa/Organização.

Assim, o líder que não fala, comunica — e, muitas vezes, comunica precisamente o contrário do que desejaria: desinteresse, indiferença e afastamento.

O sucesso, para ser sustentável, deve ser partilhado. E a palavra do líder, quando genuinamente reconhecedora, tem o poder de transformar um feito pontual num legado colectivo.

Humberto Domingues
Enf. Espec. Saúde Comunitária
2025.11.01

EM DIA DE GREVE GERAL - 2025.12.11

EM DIA DE GREVE GERAL 2025.12.11 A greve é um direito, mas trabalhar também o é! Atirar objectos e garrafas na escadaria da Assembleia da Re...