"ESCUSA DOS ENFERMEIROS COM RESPONSABILIDADE"
Transcrevo na íntegra o excelente e oportuno artigo do Sr. Presidente da Secção Regional do Sul da Ordem dos Enfermeiros, Enf. Sérgio Branco, publicado hoje no Jornal Diário de Notícias, com o título "Escusa dos Enfermeiros com Responsabilidade"
Fonte: DN de 2022.02.15
As pessoas com doença, sobretudo as que se encontram em unidades hospitalares, têm-nos feito chegar algumas preocupações com o crescente aumento de pedidos de escusa de responsabilidade dos enfermeiros. Os ecos parecem relacionar tais pedidos com um eventual menor empenho na prestação dos cuidados, suscetível de pôr em causa o dever de exercerem a profissão com os adequados conhecimentos científicos e técnicos, com o respeito pela vida, pela dignidade humana e pela saúde e bem-estar de cada pessoa a seu cargo.Ora, convém esclarecer que os pedidos de escusa de responsabilidade nada têm que ver com o zelo e dedicação com que cada enfermeiro deve encarnar o exercício profissional. Todos temos a noção de que, no dia-a-dia da profissão, lidando nós com a vulnerabilidade do ser humano e com as incertezas da ciência, embora sempre orientados por uma prática baseada na evidência, há o risco de incidentes e de eventos adversos. Infelizmente, nem tudo corre sempre bem, embora, felizmente, a enfermagem praticada em Portugal seja reconhecidamente de excelência e, por isso, os nossos enfermeiros serem tão requisitados por instituições de saúde estrangeiras.
Assim, uma coisa é a ocorrência de adversidades devido à complexidade de cada situação particular, com consequências que podem ser inesperadas, e que, por isso, os enfermeiros subscrevem um seguro de responsabilidade civil suportado pela Ordem; outra coisa bem diferente é verificarem-se eventos adversos porque os enfermeiros, não obstante o seu empenho e brios profissionais, e o cumprimento escrupuloso do seu código deontológico, carecerem das condições mínimas para exercerem o seu trabalho com qualidade e segurança para a pessoa doente e para si próprios. Estas carências refletem-se quer ao nível de recursos humanos quer ao nível de recursos materiais.
Recordamos que os enfermeiros em Portugal têm como princípio para o seu exercício profissional "o respeito pelos direitos humanos na relação com os clientes" - de acordo com o código deontológico do enfermeiro, constante do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros (EOE) - Decreto-Lei n.º 104/98 de 21 de abril republicado pela Lei n.º 111/2009 de 16 de setembro.
Na região sul, de que sou responsável enquanto dirigente da Ordem dos Enfermeiros, foram apresentadas um total de 1224 declarações de escusa, nomeadamente nos hospitais de Setúbal, Algarve e Amadora-Sintra que enfrentam as situações mais graves, além de Santa Maria, onde, recentemente, 101 enfermeiros da urgência fizeram o mesmo, assim como 31 enfermeiros do bloco operatório do hospital de Vila Franca de Xira. A nível nacional foram apresentados 4475 pedidos de escusa de responsabilidade.
Esta anormalidade, contudo, não escusa o enfermeiro de cumprir o seu juramento, feito no início da profissão, de a "exercer com respeito pela vida, pela dignidade humana e pela saúde e o bem-estar da população, adotando todas as medidas que visem melhorar a qualidade dos cuidados e serviços de enfermagem (texto do juramento). Por outro lado, também o conselho diretivo da secção sul da OE não se pode eximir do seu dever estatutário (OEO art. 46.º, n.º 2) de zelar pela dignidade do exercício profissional e assegurar o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos enfermeiros; e zelar pela qualidade dos cuidados de enfermagem prestados à população e promover as medidas que considere pertinentes.
Acresce a isto, ainda no âmbito dos deveres deontológicos (EOE art. 109.º) que o enfermeiro deve assegurar, por todos os meios ao seu alcance, as condições de trabalho que permitam exercer a profissão com dignidade e autonomia, comunicando, através das vias competentes, as deficiências que prejudiquem a qualidade de cuidados.
Concluindo, os enfermeiros estão a apresentar escusas de responsabilidade, não para se escusarem dos seus deveres deontológicos, mas para chamar à atenção das entidades dirigentes da saúde, nomeadamente do Ministério da Saúde e da Entidade Reguladora da Saúde, para a carência de meios, nomeadamente de recursos humanos, que impedem a prestação de cuidados seguros e de qualidade aos doentes, estando provado que por cada doente a mais a cargo de um enfermeiro a mortalidade sobe 7% nos hospitais.
Os enfermeiros apresentam escusas de responsabilidade no estrito cumprimento do seu código deontológico, em defesa dos doentes. E nós, dirigentes da Ordem, estamos obrigados estatutariamente a promover as medidas que se considerem pertinentes para que os enfermeiros cumpram com dignidade o seu juramento. Mas não os podemos obrigar a dar de si tudo o que podem e sabem se carecerem dos meios básicos para o fazerem. Resta-nos apelar a toda a sociedade, e aos responsáveis políticos em particular, para que reflitam sobre isto e tomem as medidas tidas por mais convenientes.
Presidente do conselho diretivo da secção sul da Ordem dos Enfermeiros"
Fonte: DN de 2022.02.15
Humberto Domingues
Enf. Espec. Saúde Comunitária
2022.02.15
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