segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

DESINFORMAÇÃO OU PRECONCEITO? UMA RESPOSTA A HENRIQUE RAPOSO

DESINFORMAÇÃO OU PRECONCEITO?
UMA RESPOSTA A HENRIQUE RAPOSO

Os enfermeiros não são heróis acidentais nem coadjuvantes no palco da saúde. São protagonistas indispensáveis, cuja dedicação vai além de qualquer reconhecimento superficial
10 janeiro 2025 11:27

Recentemente, Henrique Raposo, cronista do Expresso há longos anos, publicou um texto intitulado “Recuso ser visto por um médico que só quer fazer 150 horas extraordinárias”, em que, a dado momento, escreveu: "Sem o trabalho além do horário de funcionário, um médico não será um médico, será um enfermeiro com mais galões no ombro."

Esta afirmação não só reflete uma visão desinformada sobre a profissão de enfermeiro, como perpetua preconceitos que são ofensivos e desrespeitosos para uma profissão central em qualquer sistema de saúde.

E não é a primeira vez que Henrique Raposo adota um tom depreciativo em relação aos enfermeiros. Poderíamos, simplesmente, interpretá-lo como fruto de ignorância ou falta de compreensão sobre o que realmente significa ser enfermeiro, mas é importante que se aborde esta questão através de uma dimensão mais ampla: o papel dos enfermeiros no sistema de saúde, a evolução da profissão e a visão, ainda distorcida, de alguns segmentos da sociedade.

Aquela frase carrega, implicitamente, a ideia, completamente errada, de que os enfermeiros seriam uma versão "menor" de médicos. Ora, a enfermagem é uma profissão autónoma, regulamentada e baseada em evidências científicas, com um corpo de conhecimentos próprio que a diferencia de qualquer outra profissão de saúde.

Ser enfermeiro não é "um passo a menos" para ser médico, é uma escolha consciente e uma vocação que exige competências específicas e um olhar distinto sobre a saúde. Os enfermeiros não querem ser médicos. Não porque lhes falte qualquer capacidade, mas porque escolheram uma profissão que está enraizada em algo que vai além do diagnóstico e do tratamento: o cuidado humanizado, contínuo e integral, que coloca o doente no centro de todos os atos.

Além disso, a ideia de que a enfermagem pode ser "funcionalizada" — ou seja, limitada a horários rígidos de trabalho — também mostra uma total falta de compreensão sobre a realidade. Os enfermeiros dedicam-se a um trabalho que não é compatível com um horário normal, acompanham o doente em todos os momentos da vida, da entrada à saída do sistema de saúde, da prevenção à reabilitação. Contudo, este compromisso não pode ser confundido com esgotamento ou exploração laboral.

Na enfermagem, o trabalho fora do horário normal é uma realidade comum, mas deve ser encarado como um esforço excecional e não como norma. Aliás, os enfermeiros são os campeões das horas extraordinárias no SNS, um reflexo da carência crónica de recursos humanos e da crescente pressão sobre o sistema de saúde. Estas horas, realizadas frequentemente em condições de exaustão física e emocional, representam muito mais do que números em folhas de cálculo: são um testemunho da dedicação de quem, muitas vezes, sacrifica o seu bem-estar e vida pessoal para garantir a continuidade dos cuidados prestados aos doentes. O verdadeiro compromisso com a saúde não se mede em horas extraordinárias, mas na capacidade de manter a excelência sem comprometer a saúde mental e física do profissional.

A romantização do trabalho extenuante, destacada por Henrique Raposo, revela uma visão perigosa sobre as profissões de saúde. Não se é melhor enfermeiro ou médico pelo número de horas extraordinárias realizadas, mas pela competência, ética e pela capacidade de oferecer um cuidado seguro e eficaz. Exigir que profissionais de saúde se submetam a um esgotamento extremo para provar o seu valor é, no mínimo, uma irresponsabilidade que coloca em risco os profissionais e os doentes.

Nos últimos 50 anos, a enfermagem passou por uma evolução exponencial, tanto em Portugal como no mundo. Hoje, é uma área de alta especialização, com enfermeiros a assumir funções autónomas e a desempenhar papéis fundamentais em todas as áreas clínicas e também na gestão de serviços de saúde, docência, investigação, etc.

É importante que os mais desatentos saibam que, atualmente, os enfermeiros portugueses lideram projetos de inovação em saúde, desenvolvem investigação científica e participam na formulação de políticas públicas de saúde. Esta evolução, bem como a dedicação de gerações de enfermeiros que lutaram por educação de qualidade, regulamentação profissional e condições dignas de trabalho, contribuiu para um maior reconhecimento social da profissão.

Apesar deste avanço, ainda há um caminho a percorrer. A sociedade, embora cada vez mais consciente do papel essencial dos enfermeiros, continua a precisar de ser esclarecida, como demonstra o texto de Henrique Raposo.

A enfermagem é uma profissão nobre, cuja dedicação é direcionada exclusivamente para o bem-estar do outro. Subestimar o valor de um enfermeiro é, em última análise, desrespeitar todos aqueles que diariamente contribuem para salvar vidas e melhorar a saúde dos portugueses.

Quem minimiza o trabalho dos enfermeiros, ignora a complexidade da sua intervenção, o impacto que tem na vida dos doentes e o esforço diário necessário para exercer a profissão. A crítica, baseada numa visão distorcida, revela, afinal, mais sobre a falta de conhecimento de quem a profere do que sobre a realidade da enfermagem.

Os enfermeiros não são heróis acidentais nem coadjuvantes no palco da saúde. São protagonistas indispensáveis, cuja dedicação vai além de qualquer reconhecimento superficial.

Comentários como os de Henrique Raposo não diminuem a força, a grandeza ou a importância da enfermagem. Mas, ainda assim, seria bom que se pudesse retratar junto dos seus leitores.

Por fim, a todos enfermeiros portugueses que se sentiram ofendidos, e foram muitos, quero dizer-vos que são insubstituíveis. O vosso papel não é menor, é único e essencial. A dignidade da profissão de enfermeiro merece ser respeitada, valorizada e, acima de tudo, compreendida. E, mesmo diante de visões distorcidas, jamais desistam de lutar por um futuro mais humano e justo para todos.

Bastonário da Ordem dos Enfermeiros
Enf. Luís Filipe Barreira
2025.01.10

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

QUE DESAFIOS 2025 PODE TRAZER PARA A SAÚDE?

QUE DESAFIOS 2025 PODE TRAZER PARA A SAÚDE?


Não é pela passagem de ano que os factos se alteram por si só. Muito menos na Saúde!

Porque falamos mais sobre Saúde; Porque questionamos mais sobre as consequências ecológicas, económicas e sociais na Saúde; Porque os recursos são sempre escassos, face a tantas solicitações, de problemas do passado por resolver e novos que surgem a cada momento; Porque a Saúde está mais politizada, como nunca esteve e porque nos toca pessoalmente; A Saúde está na agenda política e do quotidiano de cada Cidadão.


Há questões da Saúde que são cada vez mais globais e não deste ou daquele País, desta ou daquela região e a mobilidade e a “Geografia da Saúde”, são cada vez mais demonstrativas dessa realidade.



Acreditamos que 2025 será um ano muito preenchido com questões da Saúde. Por um lado na implementação e consolidação de prioridades, governança na Saúde e opções do Governo, na mudança de Conselhos de Administração e alteração de filosofia de trabalho que as Unidades Locais de Saúde (ULS) estão a impor. Por outro lado, as inovações tecnológicas, avanços científicos e Inteligência Artificial (IA), nas mudanças demográficas e o que isto pode impactar nas condições de saúde e no acesso aos cuidados. E ainda, a importância dos Recursos Humanos, que cada vez mais escasseiam, emigram e mudam de profissão, face aos baixos salários, ao desgaste emocional e físico a que estão permanentemente sujeitos, e à falta de uma carreira que estimule a fixação destes profissionais, com maior preponderância para Enfermeiros e Médicos.


Vai acontecer, mais cedo ou mais tarde, um olhar diferente sobre todas estas e outras questões da “Saúde” em particular e, da “Saúde Pública”, em geral. Poderemos atrever-nos a reflectir brevemente sobre algumas.

Doenças Crónicas e envelhecimento das Populações:
A População Portuguesa e também a mundial estão a envelhecer de forma acelerada. A “esperança de vida” vai aumentando e a natalidade diminuindo, com particular registo nos países desenvolvidos. Mas associada a esta realidade, há uma prevalência aumentada de doenças crónicas e toda a comorbilidade em torno da “diabetes tipo 2” das doenças cardiovasculares, cerebrovasculares e neurodegenaritivas (ex: Alzheimer, Parkinson).

Saúde Mental e o bem-estar das Populações:
No estadio em que vivemos, podemos chamar à Saúde Mental, como a “patologia e a preocupação da modernidade”, porque esta afecta de forma crescente e preocupante, a População das diferentes faixas etárias.
As solicitações ao desempenho são muitas, o stresse é constante, a competitividade desde tenra idade está presente em cada momento, potenciando transtornos mentais, depressões, ansiedades e angústias.
O consumo de medicação, substâncias aditivas e estimulantes, está cada vez mais presente e afecta as Pessoas de hoje e de amanhã.
Será muito desafiante a resposta da “Saúde Mental” às necessidades dos Cidadãos e Populações, numa solução efectiva, mais próxima, numa abordagem terapêutica sem estigmas e onde o despertar para a doença mental, consciencialize em termos de “Saúde Pública”, esta existência e realidade.

A Eco-Saúde, a Saúde Ambiental e as Mudanças Climáticas:
A “Saúde” é de tal forma necessária, abrangente, exigente e multifactorial, que é sujeita a inúmeras pressões, criando a outras disciplinas a importância e implementação de inovações ao nível do pensamento, das atitudes e na obtenção de resultados.
As “mudanças climáticas” através das alterações de temperaturas, poluição do ar e da água, inundações e secas prolongadas, têm impacto directo nas condições de saúde das Populações, facilitando múltiplas doenças, infecções respiratórias e de vários foros. Noutro contexto importa um olhar minucioso e cuidado sobre a segurança alimentar, a qualidade dos produtos e o acesso ao consumo de água potável.
O comportamento colectivo do Cidadão e Nações, pode contribuir e muito, para a estagnação do aquecimento global, a diminuição dos gases e efeito de estufa e a consciencialização para o fortalecimento e implementação de políticas públicas de “Saúde Ambiental”.

Desigualdades no Acesso aos Cuidados de Saúde – O papel da IA e da Tecnologia:
A existência de condicionalismos geográficos, sociais e económicos, condiciona e muito o acesso aos cuidados de saúde, criando um fosso de desigualdades entre Cidadãos e Regiões. Esta é uma barreira difícil de transpor. Poderá a tecnologia, a IA e as teleconsultas facilitar e tornar mais integrador, os cuidados de saúde? Diminuir as diferenças no acesso e a realização de exames de diagnóstico?
A confiança assenta no potencial da tecnologia para esbater estas diferenças. A IA está aí para ajudar no tratamento de dados, nos diagnósticos mais precisos e rápidos e essencialmente, o mais desejável, que ajude a trabalhar a “Prevenção”.
Contudo, por mais que haja tecnologia moderna, IA cada vez mais presente, serão sempre precisos e necessários Profissionais de Saúde, com especialização diferenciada, com proximidade e humanismo, junto dos doentes e Famílias. Para além disso, outros desafios geográficos, bélicos, tecnológicos e ambientais se colocarão, no pensamento estratégico e de planeamento em Saúde a adoptar.

Para o cuidar e tratar de todas estas patologias, que exigirá um acompanhamento contínuo, implicará muitos Recursos Humanos e materiais, a ampliação dos cuidados domiciliários e o aproveitamento das novas tecnologias e IA para a monotorização dos doentes, desde o seu domicílio ou região. O modelo integrador, acessível e personalizado por um lado e, por outro, a promoção do bem-estar, das condições de saúde e a Prevenção, poderão ser a “chave” para responder a novos e velhos desafios e dar oportunidade ao potencial aproveitamento da inovação da ciência, pondo-a ao serviço do Cidadão.

Humberto Domingues
Enf. Espec. Saúde Comunitária
2025.01.01

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